terça-feira, 23 de março de 2010

Sobre o rosto, a paisagem, a fotografia e o urbano na obra de Gerárd Fromanger


Resenha do texto RETRATOS O rosto e a paisagem.
Em Paisagens Urbanas de Nelson Brissac Peixoto.

Por Arlene von-Sohsten

O texto resenhado levanta pontos passiveis de discussão dentro do trabalho do frances Gérard Fromanger
[1], referência da Nova Figuração. Assim, o presente texto tentará articular os questionamentos trazidos por Nelson Brissac, acerca do rosto, da paisagem, do urbano e da fotografia, com o trabalho desenvolvido por Fromanger desde a década de 60. Nessa articulação é pensado ainda o trabalho educativo exercido dentro das galerias de arte pelos mediadores.

Brissac traz muito sucintamente uma trajetória do rosto e da paisagem dentro da história da imagem. A partir do apontamento de teóricos como Baudelaire, Benjamin, Atget, Barthes, dentre outros, é feito um questionamento acerca do lugar que o rosto e a paisagem ocupam hoje. Novos diálogos são propostos. É inevitável! A contemporaneidade traz novas relações entre rosto e paisagem.

A pintura na modernidade abandonou a representação do divino indo ao encontro de uma representação de paisagens e de retrato. Mas a busca pelo sagrado não foi abandonada. A pintura que se fez desde então tentaria entrever o sagrado justamente nestas figuras primárias – o rosto e paisagem. (BRISSAC 2004, p. 57). Com o passar do tempo o lugar do rosto e da paisagem e o tratamento dado aos dois, foi sendo modificado. Qual seria hoje o lugar deles? Podem as imagens atuais nos trazer rostos e paisagens? Estaria a imagem do rosto banalizada na era contemporânea?

No cinema paisagem e rosto podem ser vistos através do plano geral e do close, respectivamente. Este último é uma técnica que se aproxima do referente rosto-paisagem. Um close na face humana é um rosto isolado no tempo e no espaço. O close é um momento de suspensão espaço-temporal, através do qual o espectador se deixa ser levado e trazido de volta. Nele o rosto é destacado e se torna imenso, todo o foco está nele, não há mais nada para olhar, só o imenso rosto decupado pela proximidade da câmera, só os poros da pele, pois a distância mínima de conforto foi quebrada.

É importante destacar que o close não é colocado no texto como mera aproximação. Essa relação de proximidade é, em alguma instância, semelhante ao trabalho desenvolvido dentro das galerias de arte. A mediação aproxima o visitante da obra, e não se trata de uma aproximação indiscriminada. Apropriando-me conotativamente do conceito de close colocado no texto penso que a mediação permite ao visitante dar um close na imagem, no sentido de aprofundar-se na leitura, tanto no seu plano de expressão, quanto no plano de conteúdo.
[2] Abandonando assim a superficialidade e entrando nos pormenores da imagem, seja ela uma obra de arte ou não. Dessa forma, o visitante pode ter tanto o plano geral (uma vista panorâmica) como o close (aprofundamento), processo – de aproximação e de distanciamento da imagem - necessário à educação visual.

Brissac traz uma posição benjaminiana traçando um paralelo entre pessoa e urbano, mais especificamente entre fisionomia e cidade. O autor usa o termo fisionomias urbanas para mostrar essa relação entre a silhueta das cidades e o perfil de seus moradores, algo que está intrinsecamente relacionado. Tal conceito pode ser claramente encontrado no trabalho de Fromanger que através das suas linhas interliga pessoas, cidades e mapas, as linhas que formam o corpo humano se confundem com as linhas que formam o corpo da cidade, tramando uma malha urbana-humana. Com Formanger, Bastilhas e pessoas se fundem em derivas, na série Bastilhas e Derivas, na qual vemos o bairro da Bastilha em Paris através do olhar do artista. Esse olhar é intermediado pela fotografia, ou melhor, pela visão de um fotógrafo, amigo do artista, quando eles saem às ruas registrando o cotidiano parisiense.



Bastilles-dérives, jaune cadmium moyen, 2008
Bastilhas, Derivas, amarelo cádmio médio
Acrílica sobre tela, 130 x 97 cm. Série Bastilhas & Derivas

Segundo Brissac a partir do século XIX vemos pinturas de pessoas e paisagens que tem por suporte a fotografia. É o caso do já mencionado Gerard Fromanger e do pintor alemão Gerhard Richter

O trabalho de Richter citado no texto inevitavelmente me remete aos trabalhos de Fromanger. Ambos em um processo de criação que parte do registro da imagem por uma máquina. Intencionalmente abdicam da identidade, personalidade, caráter da pessoa representada – tais aspectos não são relevantes – a fotografia supre, enquanto suporte, a demanda dentro do objetivo do pintor. Formanger esvazia o que há de pessoal nos indivíduos através de suas silhuetas chapadas. Não vemos rosto, apenas contornos, o que podia ser particular é universal. É por meio da fotografia, que Richter e Fromanger constroem suas narrativas.

Há uma peculiaridade em se trabalhar com fotografia. Algo que segundo o autor nenhum quadro pode nos mostrar: Um relance da realidade imediata. Só a fotografia possuiria essa capacidade intrínseca, de captar um aqui e agora que nem o fotógrafo planejava captar – o algo imprevisto. Mas há uma questão: partindo a pintura da fotografia, seria ela (a pintura) por conseqüência dotada dessa peculiaridade inerente ao ato fotográfico, esse efêmero imprevisto registrado involuntariamente pelo fotógrafo?

Ou ainda. Seria a pintura dotada de profundidade e a fotografia fadada à superficialidade? Baudelaire e Benjamin compartilham da mesma idéia ao afirmar a pintura vai em busca de algo que reside na profundidade da imagem, o que não nos é dado num primeiro momento, enquanto a fotografia não tem espessura, e por ser rasa ela nos mostraria tudo. Será que essa idéia também se aplicaria a uma pintura que tem como suporte a linguagem fotográfica? Se a fotografia é rasa por nos mostrar tudo então a profundidade na pintura de Fromanger, por exemplo, estaria na ausência, no que ela esconde. Exatamente por não nos revelar tudo, suas imagens abrem espaço para possibilidades de discurso. Enfim, nessa relação fotografia-pintura vale pensar em como se dá tais questões no trabalho de artistas como Fromanger ou Richter.

Ainda sobre fotografia Nelson Brissac questiona, a partir do trabalho de Cássio Vasconcellos, o fato da carga simbólica ser tradicionalmente atribuída apenas às fotografias antigas. Vasconcellos busca a transcendência, a luz, o estado de êxtase exatamente nas imagens contemporâneas banais, atribuindo-lhe carga signica que em seu contexto original não tinha. O processo no trabalho do artista consiste basicamente em fotografar imagens de filmes comuns. Dessa forma ele isola a imagem do seu contexto original dando-lhe nova carga simbólica e afetiva. Ele pega, por exemplo, imagens de filmes pornôs, nas quais a mulher parece estar em transe, e fotografa seu rosto, mas esse rosto, quando dissociado de seu contexto, diz respeito a um estado de êxtase qualquer e não apenas erótico. Ao deslocar a imagem Vasconcellos esvazia-a de significado para enchê-la novamente, dessa forma, olhando tais imagens não conseguimos definir qual é o êxtase possivelmente religioso ou erótico. Assim, sagrado e profano se misturam e se confundem.

Com o trabalho de Richter, Fromanger ou Vasconcellos percebe-se o quanto as fronteiras entre as linguagens (pintura, fotografia, cinema, dentre outras) foram e continuam sendo dissolvidas. Os questionamentos acima colocados, acerca do lugar e das peculiaridades de cada linguagem, são mais no sentido de provocar o questionamento do que de obter respostas.

Dentro dessa necessidade de definir conceitos e estabelecer limites é importante pensar no como se constrói um discurso acerca de tais linguagens na contemporaneidade. Digo isso pensando exclusivamente nos diálogos propostos nas galerias de arte: como as pessoas observam uma pintura que partiu da fotografia? Posso afirmar, a partir da minha experiência como mediadora, que parte dos observadores/fruidores desqualifica a obra ao saber que o artista utilizou a fotografia e não “tirou aquilo da cabeça dele”, reforçando a idéia de artista como gênio criador.

Por isso é necessário pensar em propostas de diálogos que abram para discursos possíveis, e essa necessidade é preocupação da nossa equipe de mediadores que trabalham com a educação visual.

REFERÊNCIA:
PEIXOTO, Nelson Brissac. Paisagens urbanas. 3. ed. São Paulo: Editora SENAC, 2004.

[1] Artista que expôs no Centro Cultural Banco do Brasil – Brasília de 8 de setembro a 15 de novembro de 2009.[2] Os termos plano de conteúdo e plano de expressão foram criados pelo semioticista dinamarquês Louis Hjelmslev para substituir respectivamente os tradicionais termos significado e significante atribuídos por Ferdinand de Saussure, lingüista e filósofo suíço que desenvolveu muitas das teorias lingüísticas discutidas no séc. xx. Dessa forma, a significação do texto se dá na relação dos planos de expressão e de conteúdo, seja um texto verbal, sonoro, visual, cênico...

Nenhum comentário:

Postar um comentário