quinta-feira, 25 de março de 2010

Comentários sobre o filme “De Corpo Inteiro” (ALGRATI, 2009), por Diana Landim

Dirigido por Nicole Algrati, sobrinha neta de Clarice Lispector, o filme “De corpo inteiro” (2009) é um misto de documentário e ficção. A partir de entrevistas realizadas pela escritora para o Jornal do Brasil e para revista Manchete – na coluna Diálogos Possíveis (entre 1968 e 1969) – posteriormente reunidas no livro “Entrevistas” (2003), – Algrati recria tanto os encontros de Clarice com personalidades da época (tendo atrizes como Letícia Spiller, Aracy Balabanian e Beth Goulart no papel de Clarice) como grava novas entrevistas com Tônia Carrero, Elke Maravilha, Ferreira Gullar.

Uma vez que as entrevistas realizadas por Clarice foram feitas em um período de tempo não muito longo, a escolha de várias atrizes para encenar seu papel não está relacionada a mudanças físicas do transcorrer dos anos. Mas sim, é uma escolha da direção que vê na troca de atrizes uma espécie de brincadeira de “ser Clarice” ao modo de cada atriz. Como se cada mulher, cada leitora de Clarice, que assistisse ao filme pudesse vê-la ao seu modo.

Para levar o público a compreender um pouco mais sobre o universo de Clarice e de seus entrevistados, um cuidadoso trabalho de direção de arte foi realizado. Assim, é possível perceber no filme traços de figurino e cenografia típicos dos anos 60 e 70, como também é possível aferirmos sobre a profissão e a personalidades dos entrevistados tendo como base o ambiente onde foram entrevistados. Como no caso da conversa com Carybé no Pelourinho (SSA) ou da entrevista com Maria Bononi em seu ateliê de gravura.

A trilha sonora merece um destaque especial. O filme tem como tema a música “Que Deus venha” – letra de Cazuza escrita a partir de trechos de “Água-Viva”. Interpretada por Adriana Calcanhoto especialmente para esse vídeo, a canção consegue traduzir com as próprias palavras de Clarice o tom intenso e sensível no qual vivia a escritora.





Sobre as entrevistas, Clarice consegue entrar na intimidade das personalidades de maneira natural. Talvez pela intimidade e admiração que a ligava a eles, talvez pela própria sensibilidade de escritora. Diferentemente das aspirações de “imparcialidade jornalística”, Clarice expõe abertamente sua opinião durante as entrevistas. Na realidade, assistir ao filme, mais que conhecer a opinião dos entrevistados sobre determinado tema, é conhecer a própria romancista. Em todas as conversas, ela parece buscar se entender. Indagando os outros é como se ela indagasse a si própria. Como fica claro na entrevista que ela faz ao amigo escritor e também psicanalista Hélio Pellegrino. Por ele a conhecer bem, ela o pergunta: “quem sou eu?”. Entre troca de elogios em um típico bate–papo de amigos, Clarice também pergunta a Pellegrio “o que é o amor” (pergunta recorrente em várias de suas entrevistas). E, ao falar de amor, escutamos de da escritora um raciocínio que poderia ser tirado das páginas de seus livros: Clarice queria viver várias vidas, para que em cada uma delas pudesse ser apenas uma coisa. Uma vida só para ser escritora, uma só para ser mãe. Uma vida para cada coisa, assim não teria que dividir o amor.

Ligando todas as entrevistas, temos a Clarice interpretada por Aracy Balabanian. Em montagem paralela, vemos a escritora já mais velha, pensativa, parecendo se lembrar de seu passado e esperar pelo o que estar por vir. Ao fundo, o off da entrevista que Clarice deu a TV Cultura meses antes de sua morte marca também com uma entrevista a despedida da escritora.

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