segunda-feira, 22 de março de 2010

O que vemos? Como vemos? Considerações acerca da visualidade contemporânea. Uma breve reflexão sobre o ensino das artes visuais.

Resenha do primeiro capítulo do livro Catadores da Cultura Visual.
Do autor Fernando Hernández professor da Universidade de Barcelona.

Por Arlene von-Sohsten


No texto supracitado Hernández propõe uma reflexão acerca dos Estudos da Cultura Visual e expõe motivos para se propor uma mudança na maneira que a arte visual é “ensinada” na educação formal. Critica ainda o planejamento e a elaboração dos currículos escolares, considerando-os discrepantes quando relacionados à realidade das crianças, dos jovens.

Os alunos, fora da escola, estão em contato com os diversos meios de comunicação, com uma variedade riquíssima de imagens, com novas e atraentes tecnologias, enfim, com tudo o que a sociedade contemporânea globalizada pode oferecer-lhe. Dessa forma, é necessário pensar como a educação formal está se posicionando frente a essa realidade, pois, com tantas mudanças (nas relações sociais, nas formas de representação, no tratamento da imagem, na forma de ver e perceber o mundo) é inviável que o planejamento curricular, a instituição escolar ou mesmo os docentes continuem como estão.

Essa proposta de mudança vai ao encontro de “uma narrativa que considera que o pedagógico é também uma prática política e que não se reduz ao processo de ensino-aprendizagem.” (HERNÁNDEZ, 2007, p.38). Pressupõem-se assim uma prática educacional fundamentada nas relações sociais, na vivência, na interdisciplinaridade, na reflexão crítica, na autonomia.

Em termos de comunicação o autor trata com a mesma importância as diversas linguagens: a palavra (escrita ou falada), o som e a imagem. Mas se não há uma preocupação em instrumentalizar a criança ou o jovem durante a educação formal, ensinando sobre a linguagem do som e das imagens, como é possível exigir que eles se posicionem criticamente a respeito de um filme, de uma música, ou de uma propaganda qualquer? A imagem é potencialmente assimilável e associável, mas tanto a assimilação quanto a significação estará limitadamente condicionada à capacidade do indivíduo de estabelecer relações e analisar criticamente.

O termo Cultura Visual surge de uma necessidade de mudança impulsionada pelas práticas culturais relacionadas ao olhar: como vemos, percebemos e nos relacionamos com o mundo imagético do nosso cotidiano? Hernández ao usar o termo refere-se “às maneiras subjetivas e intra-subjetivas de ver o mundo e a si mesmo.” (2007, p.22), incluindo assim as práticas culturais e sociais do olhar.

Hernandez, com o termo Estudos de Cultura Visual, sugere um novo rumo para a educação das artes visuais. Pergunto-me, no entanto, se as outras linguagens e manifestações artísticas, como a arte cênica, por exemplo, estão sendo consideradas dentro dessa ‘nova’ terminologia. É claro que estando um individuo instrumentalizado para desenvolver sua criticidade visual, estará instrumentalizado conseqüentemente para ler um espetáculo teatral de forma crítica. Afinal, o teatro faz parte dessa cultura visual. Mas a questão é: O Estudo da Cultura Visual é um novo rumo para a educação das Artes Visuais ou é um novo rumo para a educação da e na arte? Talvez ao utilizar o termo artes visuais o autor tenha compreendido não apenas o trabalho de artistas plásticos, mas também o teatro, a performance, o cinema, etc. Por isso, é importante refletir, neste contexto: o que é arte visual e o que ela engloba? Enfim, são inquietações acerca do papel das diversas linguagens artísticas dentro da visualidade contemporânea.

Talvez essa nova proposta educacional, que engloba o aspecto subjetivo e as práticas sócio-culturais da contemporaneidade, esteja no caminho mais próximo de uma interdisciplinaridade entre as artes, mais especificamente entre a convencionalmente chamada arte visual e as artes cênicas, pois ela esta preocupada fundamentalmente com a educação do olhar.

A educação da cultura visual é amplamente crítica, é formadora de seres pensantes capazes de se posicionar com autonomia frente a qualquer imagem, seja ela visual, verbal, sonora, etc. E falo aqui de uma capacidade crítica não apenas na leitura, mas também na produção de imagens. Esse “alfabetismo visual crítico” torna-se imprescindível na atual saturação de imagens onde estamos imersos. Na internet, por exemplo, há uma infinidade de coisas para se ver-ler, o filtro é o nosso interesse, e, nesse contexto, o interesse é condicionado pela educação visual.

O trabalho realizado pelo programa educativo dentro de museus e galerias de arte vai ao encontro dessa educação visual. A principal preocupação dos mediadores de arte é instrumentalizar o visitante para que ele possa fazer suas próprias associações, atribuir significados, emitir opiniões, tudo baseado numa autonomia construída através do diálogo entre o observador (participante)[1], obra de arte e mediador.

Na busca dessa educação visual o mediador se depara, no contato com o visitante, com vários conceitos pré-formulados, isso para não dizer barreiras enormes: a função do mediador ainda mal compreendida e desconhecida por muitos; a busca por um significado único (no caso o do artista), o que nega primeiramente a própria autonomia do indivíduo; a idéia de obra de arte como algo inatingível, quase sagrado, ou o extremo oposto, a arte como algo supérfluo, sem valor; a passividade frente às imagens. Isso para citar apenas algumas das dificuldades que o mediador precisa trabalhar, e que poderiam ser atenuadas se houvesse, na educação formal, a mesma preocupação.

Um aspecto relevante dentro da mediação é considerar o contexto sócio-cultural dos alunos-visitantes, inserindo elementos do cotidiano desse público no diálogo. A educação na e da arte precisa se aproximar do lugar onde os estudantes estão, onde eles formam suas relações, suas opiniões, sua subjetividade. Se a educação formal aproximasse o conteúdo do cotidiano dos estudantes a aprendizagem se tornaria algo prazeroso. No ensino das artes poderia utilizar a produção local como o grafite e o hip hop, por exemplo, que dependendo do contexto é a manifestação artística mais próxima dos alunos.

A partir das reflexões propostas cabe sugerir uma aproximação entre educação formal e práticas educativas extracurriculares, no sentido daquela se espelhar nesta. Em especial o já citado trabalho de mediação que apesar de incipiente tem mostrado resultados satisfatórios.


REFERÊNCIA:
HERNÁNDEZ, Fernando. Catadores da Cultura Visual. Proposta para uma nova narrativa educacional. Porto Alegre: Mediação, 2007.

[1] O termo participante é empregado por Hélio Oiticica para definir uma espécie de observador sensível, que é ativo na criação da obra. A atual utilização do termo é inspirada na obra Parangolés do mesmo artista.

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